Suando pra chegar lá!

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sobre o aborto

Vou contar aqui o que aconteceu comigo, porque até agora falei muito pouco sobre o assunto...

Fiz um teste de farmácia que deu positivo e a partir daí comecei o pré natal.  A gravidez havia sido planejada e havia preenchido nossa casa e nossa família com luz e alegria.

Já no primeiro ultrason, não havia batimentos cardíacos. De acordo com o atraso da menstruação, eu estava grávida há 9 semanas, mas no ultrason, o feto tinha tamanho e desenvolvimento de 7 semanas e 1 dia, que foi provavelmente, quando o coraçãozinho parou de bater.

O coração do feto se forma com 6 semanas. O do meu, se formou e pouco tempo depois parou de bater...

Bom, naquele momento, minha vida ficou em suspenso. O ar ficou carregado e tudo ficou mais difícil. Isso significava que a minha sementinha, a nossa sementinha, estava morta dentro de mim. E por que?  Até chegar em casa e ligar pro meu médico, minha cabeça girava dentro do carro, pensando uma série de absurdos inevitáveis. Será que foi a coca cola? Será que foi o agrotóxico do morango? Será que foi o cappuccino, o adoçante? Será que eu peguei toxoplasmose?  Não era nada disso, mas eu não sabia. Só sentia uma dor e uma tristeza imensuráveis. Uma sensação de incapacidade e uma vergonha... Como eu ia contar isso pra todo mundo? Sim, porque a essa altura, todo o mundo sabia que eu estava grávida!

Refiz o exame 1 semana depois pra poder compovar o diagnostico. E a partir daí, isso tinha um nome. Não era mais a minha sementinha. Era o ABORTO RETIDO.

Que raio de aborto retido é esse? Por que comigo???

Eu nunca tinha ouvido falar disso. Achava que as mulheres perdiam seus filhos, que o sangue escorria pelas pernas e suas sementinhas iam embora... Não que elas ficassem ali, sem vida, no ventre, aguardando a natureza, ou  ciência se encarregar do resto.

Esclarecendo: O aborto retido pode acontecer por vários fatores e um deles pode ser falha genética.
Quer dizer que se a gravidez for pra frente, a criança pode nascer com problemas e como a natureza é sabia, o corpo trata de eliminar e o coração para de bater. Porém, o organismo ainda está cheio de hormônios da gravidez e os enjoos e todos os sintomas da gravidez continuam por um tempo.
Ou o corpo expulsa o embrião por si, com remédios que ajudam o útero se contrair, ou é feita a curetagem.

A segunda opção não foi a escolhida por mim e nem por meu médico, que queria a todo custo me poupar de uma intervenção cirúrgica, por mais simples que ela possa ser.

E aí começou meu calvário. Foram várias semanas sangrando e  indo ao hospital e ao consultório do médico pra controlar se o  embrião dava sinais de ir embora e se tinha algum sinal de infecção.
Teve um progresso, achamos que daria certo, mas no fim, depois de 3 semanas apresentando o mesmo resultado no ultrason, meu médico resolveu que já era hora de por um fim nessa novela. E a curetagem foi feita. Ponto final. Acabou a estória.


Só que não. Isso é o que aconteceu friamente. No íntimo, do ponto de vista psicológico, ninguém nunca vai entender o que aconteceu. Só quem já passou por isso.

Tenho um filho lindo, é verdade. Ele é tudo na minha vida. Também é uma verdade absoluta.
Mas a dor de se perder um filho e continuar com ele morto dentro de você por semanas a fio é indescritível. Sentir contrações e dores do parto, sem ter um bebê pra parir, é uma dor além da dor física e isso ninguém sabe o que é.

Eu me isolei. Preferi não ver ninguém e não falar com ninguém porque tocar no assunto me deixava mal. Eu não conseguia falar. Precisei viver meu luto e chorar tanto, até parecer que ia rasgar por dentro e que não ia mais ter como costurar de novo.

Eu via tudo acontecendo a minha volta, mas parecia que não era comigo. Eu estava alheia a tudo, porque a realidade era dura demais.

Um dia, o remédio que eu estava tomando acabou e percorri 15 farmácias, com contrações fortes e mesmo assim, não conseguia encontrar. Nesse dia, tudo parecia conspirar contra mim. Foi quando coloquei uma bobagem qualquer no facebook sobre inferno astral.

Muita gente não entendeu o porque de tanto isolamento, o porque de tanta negatividade e tanta dor.
Muita gente quis me falar de Deus e muitas vezes eu senti como se as pessoas estivessem banalizando o que estava sentindo.

Se eu exagerei, a dor é minha. Só minha. Eu sei onde ela me doía. Só eu.
DEUS NÃO TEVE NADA A VER COM ISSO. NÃO ACREDITO NO DEUS QUE CASTIGA, QUE GOSTA DE BRINCAR COM O SENTIMENTO DAS PESSOAS, SIMPLESMENTE POR QUE ESSA NÃO ERA A HORA E DEUS NÃO QUIS ASSIM!
E finalmente, não tive raiva de Deus em nenhum momento.
Clichês de auto ajuda não me ajudaram em nada. Só me irritavam.

O nome disso é falha genética e não vontade de Deus.
Por que Deus não quer ver crianças com problema sério, com câncer, na rua, violentadas e toda a sorte de coisas horrorosas que acontecem nesse mundo.
E eu não consegui encontrar o remédio na farmácia por falta de energia positiva... E sim por problemas laboratoriais mesmo. Mas quando a pessoa percorre 15 farmácias, com dores horríveis e uma coisa morta dentro dela, que ela nem sabe quando vai sair, acho que ela tem o direito de extravasar a raiva sem ser incomodada.

Em meio a toda essa tempestade, tive muita sorte de ter meu marido, amado e companheiro do lado, meu filho lindo, meus pais, mas principalmente minha mãe que foi forte e esteve ali sempre, pra me ouvir, enxugar as lágrimas e levar ao médico. Aliás o médico foi outra coisa positiva. Teve paciência pra ouvir todas as minhas duvidas e atender aos meus inúmeros telefonemas. Além disso algumas pessoas me surpreenderam positivamente, que do seu jeito marcaram presença e procuraram me ajudar como podiam. Sim sou uma pessoa de sorte e em nenhum momento esqueci disso embora tenha parecido.

Sei que as pessoas queriam me ajudar, não queria me ver nessa situação, mas enfim, eu preferia um "puta, que merda, não sei o que dizer, mas tô aqui pro que você precisar!"
Isso me confortaria muito mais. E eu não sentiria como se estivessem diminuindo o que eu estava sentindo. Porque muitas vezes, foi isso que eu senti.

Como se eu tivesse o direito de ficar triste só por 1 semanas ou 2, agora, 1 mês de reclusão, aí não né... tá de corpo mole...

Não quero abrir aqui uma discussão teológica ou religiosa. Essa é minha opinião. Tenho direito a ela.


Agora estou pronta pra seguir em frente. Ainda dói, mas sei que podemos tentar de novo, sempre soube disso, mas há uma grande diferença entre a teoria e a prática, e eu aprendi isso de uma forma bem dura. Talvez eu consiga conversar cara a cara com as pessoas sobre isso um dia... Por enquanto, se você me encontrar e eu não tocar no assunto, deixa pra lá... Vou tocando em frente...